sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Consumo na China enriquece marcas internacionais

* Matéria publicada na Folha de S. Paulo (Mundo) em 18 de outubro de 2007. Assina Cláudia Trevisan, enviada especial a Pequim.

A julgar pelo discurso do presidente Hu Jintao na abertura do 17º Congresso do Partido Comunista, na segunda-feira, a construção do "socialismo com características chinesas" depende do mais capitalista de todos os hábitos: o consumo. Os chineses desembolsam parcelas cada vez maiores de sua renda nos shoppings que se multiplicam nas grandes cidades.

O "desenvolvimento científico" defendido por Hu pressupõe o aumento do peso do consumo interno no crescimento, dependente de investimentos e das exportações. O objetivo está longe de ser alcançado, mas é crescente o número de chineses dispostos a gastar somas consideráveis em imóveis, cosméticos, roupas, carros, computadores, celulares e relógios.

O fenômeno se concentra nos centros urbanos da costa leste. Beneficiados pelo crescimento anual de dois dígitos, os novos-ricos abrem o bolso e cultivam hábitos até há pouco estranhos à cultura chinesa.

Concebido pelo designer francês Philippe Starck, o restaurante e bar Lan, na principal avenida de Pequim, é uma extravagância de vários ambientes decorados com quadros no teto, poltronas de espaldar alto, lustres de cristal e cabeças de rinocerontes. No Lan, os chineses endinheirados tomam vinho, fumam charuto, escutam jazz e pagam contas que rondam os US$ 100, o equivalente a 740 yuans-mais do que o salário mensal dos migrantes rurais que trabalham nas construções da cidade.

No The Place, um dos shoppings recém-inaugurados de Pequim, a chinesa Hu Rong, 40, gastou 800 yuans na tarde de quarta-feira na compra de roupas na rede espanhola Zara. Depois, foi a uma das 230 lojas Starbucks espalhadas em 22 cidades chinesas, onde uma xícara de café custa 18 yuans (R$ 4,4) -preço de uma refeição em um restaurante popular.

Hu Rong dirige uma empresa de arquitetura, é casada com um empresário e tem uma filha de um ano e sete meses. A família mora em uma das vilas de luxo que se multiplicam em Pequim e tem na garagem um BMW e um Land Rover.

Além de bens de consumo, é capaz de comprar o direito de ter outro filho, em um país que impõe um estrito controle de natalidade. Hu está grávida e diz que pagará ao governo a multa cobrada das famílias que desrespeitam a política de filho único -neste ano, um casal foi obrigado a pagar US$ 77 mil por ter um segundo filho.

Apesar de muitos shoppings de Pequim serem ocupados por grifes de luxo, são as marcas de preços mais acessíveis, como Zara, que realmente fazem sucesso. A única loja da rede, aberta neste ano, parecia estar promovendo uma grande liquidação no domingo, com filas nos provadores e nos caixas.

"Eu não ligo muito para grifes, mas gosto de produtos de qualidade", afirma Zheng Hua, 30, que acabava de comprar uma blusa por 400 yuans. Dona de uma fábrica de alimentos, Zheng é divorciada e vive em um apartamento próprio de 400 metros quadrados.

As amigas Shi Jing, 30, e Yu Li Sha, 27, gastam em média de 2.000 yuans a 4.000 yuans (R$ 490 a R$ 970) em roupas e cosméticos por mês. Saem para jantar fora a cada dois ou três dias. "O nosso conceito de consumo mudou e passou a ser influenciado pelo Ocidente. Estamos muito mais preocupadas com a aparência", diz Shi, que trabalha no setor imobiliário.

A rede sueca de móveis Ikea é outra marca de preços acessíveis que encontrou seu caminho na China. Pequim é a sede de sua maior loja fora da Suécia, com 43 mil m2 e estacionamento para 1.200 carros.

Os supermercados Wal-Mart e Carrefour se espalham pelas zonas urbanas. A rede norte-americana se instalou na China em 1996 e hoje tem 86 lojas, nas quais diz atender 5 milhões de consumidores por semana. O concorrente francês chegou em 1995 e já possui 345 filiais.

Setor imobiliário é superaquecido; família junta as economias para imóvel do filho

Quando saiu da universidade em 2004, Chen Ou trabalhou em dois projetos que lhe renderam 20 mil yuans em cinco meses, cerca de R$ 4.900. Com a ajuda dos pais, que lhe deram 30 mil yuans, e um financiamento de 190 mil yuans, ele se tornou proprietário de um apartamento de 50 m2 com apenas 22 anos.

Hoje, Chen trabalha como assistente de um jornalista estrangeiro em Pequim e paga a cada mês 1.200 yuans ao banco, que lhe concedeu um empréstimo por prazo de 25 anos. É menos do que pagaria no aluguel de um imóvel semelhante.

Com os juros, sua dívida é de 370 mil yuans, mas o apartamento que custava 240 mil yuans em 2004 duplicou de valor desde então.

O mercado imobiliário é um dos mais aquecidos da China e ter casa própria é a prioridade dos jovens com educação superior, especialmente dos homens. Sem isso, é remota a chance de se casarem com a mulher de seus sonhos. Quando buscam pretendentes, as jovens urbanas chinesas querem alguém que tenha casa própria e um emprego estável.

Segundo Chen, essa foi a principal razão pela qual seus pais decidiram dar suas economias de toda a vida para ajudar na compra de seu apartamento. Antes de mudar para sua nova casa, Chen vivia com os pais em um apartamento de um cômodo de 23 m2, em um edifício com banheiro e cozinha comunitários. "Seria muito difícil conseguir uma namorada nessas condições", afirma.

É surpreendente o alto percentual de chineses que possuem casa própria. O governo afirma que são 80% das famílias urbanas, um índice superior aos cerca de 70% que se observam nos EUA.

Arthur Kroeber, diretor da consultoria Dragonomis, diz que o percentual é inflado por incluir imóveis que foram comprados por empregados de suas antigas unidades de trabalho e que não podem ser vendidos. Portanto, não se enquadrariam exatamente no conceito de propriedade privada.

Ainda assim, ele acredita que o índice de casas próprias nas regiões urbanas da China é alto e não está muito distante dos 70% dos norte-americanos.

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