quinta-feira, 23 de julho de 2009

O lago do cisne — depois da seca

Da Folha:

25/02/2009 - 09h51
Resgate de cisne mobiliza frequentadores de parque da Aclimação

LAURA CAPRIGLIONE
da Folha de S.Paulo

O macho e a fêmea de cisne negro nadavam juntos no momento em que o fundo do lago da Aclimação abriu-se e 78 milhões de litros d'água começaram a desabar em um redemoinho cujo vórtex apontava para o córrego da Pedra Azul, que deságua no Tamanduateí, que deságua no Tietê.

Ralo adentro rolaram peixes, tartarugas e, muitos frequentadores do parque da Aclimação juram tê-lo visto, aves aquáticas. Quando quase todo o lago já tinha sido sugado, e apenas uma fina lâmina d'água restava recobrindo o fundo, milhares de peixes pulavam desesperados, tentando sair do atoleiro.

No meio da confusão, os dois cisnes assistiam a tudo, pescoços colados. "Eles estavam como que hipnotizados. Nem tentavam fugir", lembrava ontem Romilda Queiroz, 67, professora aposentada, chorando os acontecimentos da véspera.

Ontem, o casal de cisnes separou-se. O macho foi capturado ao se aproximar da margem do lago. Enviaram-no para o Viveiro Manequinho Lopes, no parque Ibirapuera, local que recebeu as aves flageladas (patos, marrecos, gansos, além do cisne). Faltou uma.

O cisne fêmea driblou todas as tentativas feitas até as 18h de ontem para capturá-lo. Refugiou-se no meio do ex-lago, cercado por poças d'água agora recheadas de peixes mortos --cascudos, tilápias, carpas coloridas, carpas-de-espelho e até mussuns, espécimes de corpo cilíndrico, parecidos com enguias ou moreias.

Resgate

"O cisne está atolado." Ninguém sabia se estava, mas a fêmea, parada por horas no meio do pântano, indicava isso, e o murmúrio espalhou-se.

Frequentadores do parque exigiam que a polícia fizesse um resgate da ave à la Rambo --helicóptero em voo estacionário, um Rambo descendo de rapel até o animal.

A saída foi cogitada porque, antes, alguns voluntários e guardas civis metropolitanos já haviam tentado alcançar a fêmea --andando. Afundaram na lama. O lago converteu-se em armadilha movediça. Ir de barco também não dava, não havia água suficiente --encalhava.

Foi quando apareceu Edmir Rabello, radialista "patriota e voluntário" na autodefinição. Chapéu camuflado de pescador, bermudas, botas de mergulhador e uma boia imensa feita com câmara de pneu de caminhão, ele parecia um aqualouco, mas tinha uma ideia na cabeça: ser conduzido por cordas --de boia-- até o cisne, e assim capturá-lo.

Por volta das 15h, as centenas de pessoas que assistiam à agonia do bicho soltaram um óóóóóó uníssono. A ave tinha se movido. Foram poucos centímetros, mas ok. Ela não estava atolada.

A estratégia mudou. Esticou-se uma corda de uma margem à outra do lago. Homens em joggings limpinhos, frequentadores do parque, ofereciam-se para ajudar a agitar a corda, de modo a "arrastar" a ave até a margem coalhada de lixo urbano --pneus velhos, sapatos, garrafas, e latinhas que apareceram depois que a água baixou.

O "arrastão" na lama envolveu até quem achava a estratégia bizarra, como o músico Luís Guilherme de Mattos, 28, guitarrista e violonista, que terminou imundo e com as mãos lanhadas. "Achei um pouco rústico demais. Mas eu senti que devia ajudar, e fui."

Até que funcionou e o bicho foi bonitinho para a margem. O que ninguém sabia, porque paulistano que é bom não sabe nada de natureza, é que os cisnes são exímios voadores.
Quando o homem com a rede se aproximou da ave, ela abriu as asas imensas (aí se viram as pontas brancas) e voou, linda, de volta para o meio do lago sem água. Os espectadores, até ali calados, irromperam em aplausos e gritos de alegria.

Quietinha, a funcionária que cuida dos banheiros do parque há 14 anos, Agustia Maria, 37, picava bem miudinho um pão francês. "Deixa essa confusão parar. Daqui a pouco ela vem comer na minha mão, como vem todos os dias."

A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, responsável pela administração do parque da Aclimação, não sabia informar ontem à noite se, quando ou como será feita nova tentativa de resgate da ave. A noite passada ela passou sozinha no lago sem água.

Sobre o editor William Shawn

Do Atlantic Online:

The mystery of William Shawn's origins -- a source of considerable curiosity in the literary world throughout Shawn's long career -- is finally solved by one of his writers

Introduction by Ian Frazier

WILLIAM Shawn worked at The New Yorker magazine for fifty-four years. He began there in 1933, became the editor in 1952, and left in 1987, when a company that had bought the magazine forced him to resign. His tenure as editor coincided, roughly, with the years of the Cold War. It is safe to say that he was the pre-eminent magazine editor in the world during that time. Among his gifts was a faultless ear for Cold War-era apocalyptic, audible in the titles of famous works he edited, such as Hiroshimaand Silent Spring and The Fate of the Earth and The Fire Next Time. Mostly, though, his tastes in writing were hard to categorize. He published the stories and novels of J. D. Salinger, and Truman Capote's true-crime classic, In Cold Blood, and movie reviews by Pauline Kael that changed not just movie reviewing but reviewing in general. And E. B. White and Hannah Arendt and Edmund Wilson and Milan Kundera and Elizabeth Bishop, Joseph Brodsky and Harold Brodkey and Donald Barthelme and Janet Flanner and S. J. Perelman, George Steiner and Peter Handke and Philip Roth and Jamaica Kincaid and John McPhee and Joseph Mitchell -- the list of distinguished writers he published could go on and on. He loved new writing, read quickly, and almost always knew what to do to a piece to make it better. Often his editing amounted to an inspired sort of doing nothing, of just letting a piece run. Harold Ross, The New Yorker's founder and first editor, always referred to himself simply as "Ross,"and so did everybody else. Perhaps following that tradition, his successor called himself and signed himself "Shawn."A contributor might pick up his telephone and hear the small voice at the other end say, "Shawn here."But the contributor always replied, "Hello, Mr. Shawn." The honorific "Mr." seems to have been awarded him by popular acclaim among his colleagues out of respect, and in deference to his own politeness. He was a shy, formal man, and he took self-effacement so far that he met megalomania coming back the other way. He seldom talked about himself -- people who worked with him for decades knew little more of his biography than the few facts anyone could read about him in Who's Who. He gave almost no interviews, and almost never let himself be photographed. No record that he ever made a speech in public can be found. Harold Ross sometimes gave away studio head shots of himself on which he had scrawled personalized epigrams. Shawn would not have done that in a million years. His style was a pervasive anonymity, and negative capability in the extreme.

Probably he would have preferred that nobody write anything about him after he was gone. Probably, but not certainly -- he lived surrounded by rules, but kept a wary eye on them, and recklessly broke them himself once in a while if he felt the urge. In the article that follows, Ved Mehta, who was a staff writer at The New Yorker for thirty-three years, describes the romantically American background from which Shawn came. -- I. F.

"The New Yorker's Mr. Shawn" is not available online. It can be found on page 72 of the print edition of the April, 1998, Atlantic Monthly.

Sobre a repórter Eliane Brum

Do Novo em Folha:

Apesar de se dizer briguenta, Eliane Brum, repórter especial da "Época", fala baixinho, bem devagar, com a voz frágil.

E ela começou a palestra sobre a "extraordinária vida comum", no Congresso da Abraji, dizendo que o repórter deveria ir à rua em busca da fragilidade e da delicadeza dos outros.

Para ilustrar sua posição, a repórter leu, para uma sala sem lugares vazios, um monte de crônicas e reportagens que escreveu desde os tempos de "Zero Hora". Falou, por exemplo, da incrível galinha detida em atitude suspeita.

Permeando essas histórias, ela soltou alguns pensamentos que achei muito interessantes e anotei para compartilhar com vocês:

* Nós, jornalistas, construimos um documento diário, um relato da nossa vida contemporânea, da nossa sociedade. Se fazemos de forma mal feita, preguiçosa, reduzimos nosso lugar no mundo e, de forma criminosa, deixamos para a posteridade uma história distante da realidade.

* Nós reproduzimos uma das visões de mundo, uma das verdades. Determinamos quem deve ser visto e quem não deve. Com isso, a mídia, através de nós, mantém desigualdades. Não podemos ser ingênuos.

* Um repórter deve aprender a olhar e a escutar. Inclusive os "desacontecimentos" e os anônimos.

* Cada vez mais se faz matéria por telefone ou e-mail. É preciso resistir à pressão do chefe. Ir para a rua é a melhor coisa para um repórter.

* O real é complexo e temos a obrigação de reproduzir essa complexidade, com todas as suas palavras – mas também com os gestos, os silêncios, os cheiros, as cores, as texturas. Se entrevistamos por telefone, podemos reproduzir só as palavras, só as aspas. Com isso, reduzimos o mundo.

* É preciso anotar tudo o que está acontecendo durante a entrevista – não só as palavras – para reconstruir toda a complexidade depois. As pessoas falam também com o corpo.

* Mais importante que saber perguntar é saber escutar a resposta. O pior repórter é o que termina a frase pela pessoa, interrompe para completar ou porque acha que a pessoa não está dizendo o que ele quer ouvir. "Tenho aprendido a perguntar cada vez menos e ouvir cada vez mais." A pergunta já impõe nossa narrativa, dá uma linha. Temos que deixar a pessoa começar pelo que ela acha que é o começo e deixar contar o que quer contar.

* É preciso respeitar a palavra exata. A escolha que o entrevistado faz de cada palavra já é, por si só, informação importante.

* O espanto é o melhor da nossa profissão. "Sou pautada pela obrigação de olhar e estar aberta para o espanto."

* Nunca resistam a rodinhas de pessoas. Cheguem lá pra ver de que se trata. Deve ser pauta.

* Repórter não pode nem ser blasé, nem burocrático. Na rua, quem manda no repórter é ele mesmo.

* É preciso saber brigar e argumentar com o editor.

* Para escrever um texto prazeroso, não basta vomitar palavras. É preciso apurar, cuidar da precisão, da mesma forma que em qualquer texto jornalístico. Para escrever "fazia sol", ela entrevistou cinco pessoas, pedindo que descrevessem o tempo na hora do acontecimento, e ainda consultou três meteorologistas.

* Converse com o fotógrafo que te acompanha na pauta, troque idéias, acompanhe até o fim o trabalho dele.

* Temos a obrigação de proteger nossos entrevistados. A maioria não tem noção de como a vida vai mudar depois que a matéria for publicada.

* É bom já chegar com o bloquinho, ser o mais transparente possível durante as entrevistas, e gravar todas as conversas.

xxxxxx

"Fui tomada pela perplexidade quando a repórter especial Eliane Brum, da revista "Época", começou sua palestra no congresso da Abraji. Em meio a palestrantes-jornalistas sempre 'tensos', dominados pelo entusiasmo de grandes investigações e furos nacionais de reportagem, Eliane parecia vir de outro planeta.

Ela conduziu a palestra 'Jornalismo sobre a extraordinária vida comum' lendo, em voz suave e interpretada, histórias de personagens que havia conhecido em sua carreira. Entre uma leitura e outra, lembrava da importância de procurar entender, como repórter, o que dá sentido à vida das pessoas – e colocar isso no papel.

Eliane Brum, definitivamente, tem uma relação diferente com o jornalismo, distante das obsessões dos furos e dos grandes temas nacionais. Ela encara a profissão como uma missão: para ela, ser repórter é um jeito de estar no mundo, e empobrecê-lo é criminoso.

O mais interessante é que não são posturas inconciliáveis com o hard news: saber tratar temas com profundidade, saber ouvir, ter responsabilidade com o que escrevemos é comum (ou deveria ser) tanto a jornalistas como Eliane Brum quanto àquele que cobre o buraco da rua tal."

quarta-feira, 22 de julho de 2009

10 perguntas para se tomar decisões éticas

1. O que eu sei? O que eu preciso saber?
2. Qual é o objetivo do meu trabalho jornalístico?
3. Quais são as minhas preocupações éticas?
4. Que políticas organizacionais e profissionais deveria ter em conta?
5. Como posso incluir outras pessoas que tenham diferentes perspectivas e ideias, em um processo de tomada de decisão?
6. Quem são as pessoas que afetam minhas decisões? Quais são as suas motivações? Quais são legítimas?
7. E se os papéis são invertidos? Como é que eu sentiria se estivesse no lugar dos interessados?
8. Quais são as possíveis consequências das minhas ações? A curto prazo? A longo prazo?
9. Quais são as minhas opções para maximizar a minha responsabilidade de dizer a verdade e minimizar danos?
10. Posso justificar claramente minhas decisões e forma de pensar? Aos meus colegas? Ao público? Aos interessados?

Fonte: Doing Ethics de Jay Black, Bob Steele e Ralph Barney (Via).